Juliana Vines: Uma análise feita pelo site de relacionamentos OKCupid diz que quando estão on-line os usuários costumam ser mais rigorosos com
beleza,
mas quando vão a encontros a cegas a beleza passa a ser um fator menos
importante. As pessoas se comportam de maneira diferente na internet? São mais exigentes?
MV: Estereótipos
de beleza e comportamentos valorizados na atual sociedade de consumo muitas
vezes determinam as características desejadas em um(a) potencial pretendente. Quando
se trata de selecionar um perfil de alguém que não conhecemos pessoalmente,
elementos da comunicação presentes tanto na linguagem corporal quanto na
linguagem falada, que são de fundamental importância, não estão presentes.
Conta-se apenas com informações providas pela linguagem escrita e pela foto,
além dos algoritmos que combinam desses dados.
No universo
presencial, captamos as informações do mundo através dos nossos órgãos dos
sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar). Nas interações on-line, a ausência
desses elementos é compensada por recursos como os emoticons para expressar
nossos sentimentos com maior fidedignidade e evitar possíveis mal-entendidos
causados justamente pela falta de elementos sutis da comunicação, como tom de
voz e expressões faciais/corporais. Por isso, em encontros presenciais as
pessoas tendem a valorizar menos a aparência física, já que contam também com
outros recursos que irão indicar se aquela pessoa é ou não atraente.
JV: Outro resultado interessante é o
fator raça. No
OKCupid a maioria das pessoas diz não se
importar com raça, mas os dados mostram que a maioria continua se
relacionando entre a mesma raça. E a maioria dos homens só entra em
contato com mulheres com menos de 30 anos, mesmo os mais velhos. Será
que somos seletivos demais na internet?
MV: Nesse caso
penso que seria mais adequando falar sobre etnia ao invés de raça, pois raça refere-se
apenas às características físicas. Quando falamos sobre etnia, atém das
características físicas estamos nos referindo também às características da
cultura, da nacionalidade, da religião, do idioma, das tradições de um indivíduo. Etnia é um conceito mais amplo e descreve uma pessoa com maior
fidedignidade. Esse conjunto de fatores reflete nossa visão de mundo, nossos,
valores, nossas crenças e são esses elementos que influenciam na hora de
analisar se temos ou não afinidade com outra pessoa.
No caso de
homens que preferem mulheres com menos de 30 anos – Sociedades tradicionais construídas
com base em valores patriarcais, tendem a aprovar a união de um homem mais
velho com uma mulher mais jovem; porém o contrário não costuma ser socialmente aceito. A
justificativa até então dada era a de que as mulheres em idade fértil são
consideradas mais atraentes, pois o ser humano, assim como outras espécies,
possui um instinto natural de continuidade da espécie e disseminação dos genes.
Porém as conquistas dos movimentos feministas, bem como de diversos outros
movimentos que reivindicam mudanças de valores e paradigmas em nossa sociedade
vêm mudando esse cenário. Ainda há resistência e preconceito, porém felizmente vejo
que a sociedade como um todo está caminhando para uma maior aceitação da
diversidade e valorização da felicidade em detrimento dos valores morais da
sociedade tradicional.
JV: Podemos dizer que as regras da conquista
on-line são diferentes das regras "no mundo real"?
MV: As regras da
conquista on-line são diferentes das regras da conquista no mundo presencial
porque na primeira há perda de elementos da comunicação não-verbal que são
fundamentais para a conquista. Tanto homens quanto mulheres são dotados de
recursos naturais que indicam ao parceiro quando estão interessados: tom de voz
mais grave e aveludado, jeito de olhar, de tocar o próprio corpo e o corpo do
pretendente, postura mais elevada, diminuição da distância corporal, etc. Porém
nem todos conseguem “ler” esses sinais. Além disso, há quem os interprete
equivocadamente, gerando uma situação constrangedora para ambos, já que a
sutileza geralmente faz parte esses rituais de conquista.
Por outro
lado, a conquista on-line é mais objetiva, elimina etapas e resguarda o sujeito
da rejeição e de possíveis decepções. Atualmente cada vez mais relacionamentos
começam pela internet e evoluem para o presencial. Acho que ambas as
modalidades (tanto a conquista presencial quanto a conquista através de aplicativos e
recursos tecnológicos) são válidas, já que o ser humano gosta de viver em
sociedade, gosta de se relacionar. Todo mundo
merece ser feliz com seu parceiro(a).
JV: Somos influenciados pelas regras e
algoritmos desses sites. Até que ponto isso é bom? Isso ajuda ou atrapalha?
MV: Vivemos em
uma sociedade onde o tempo parece cada vez mais escasso e por isso tornou-se
uma espécie de moeda de troca. O fenômeno da internet provocou profundas mudanças nos setores econômico, político, social, cultural e
comportamental das sociedades. No caso do site de relacionamentos OKCupid, o fato de utilizar
algoritmos para aproximar casais em potencial nada mais é do que uma economia de tempo. Imagine quanto tempo
e energia seriam despendidos em uma (ou várias) conversas presenciais para
poder analisar o estilo de vida como os gostos, preferências, hobbies, visão
política, religiosa e projetos futuros de um pretendente?
Não sei se isso é bom ou ruim, pois cada pessoa vivencia essas
experiências de encontro de uma forma subjetiva. Uns gostam de descobrir o(a)
parceiro(a) aos poucos, como se cada achado fosse uma surpresa; porém outros
são mais objetivos e preferem não perder tempo. Fato é que os algoritmos eliminam etapas da paquera e otimizam os encontros de acordo com as
expectativas dos usuários. Nesse sentido, eles influenciam
sim.
Porém eles também podem errar, pois muitos casais se atraem justamente
por causa das diferenças. Um encontra no outro qualidades e/ou características
que não identificam em si mas que o complementam. Pense no quão chatas seriam
as relações se não houvesse diversidade, diferenças de visões e opiniões? As
diferenças também contribuem para o estreitamento de laços e para o aprendizado
nas relações. Quando se trata de ser humano, a estatística nem sempre funciona,
dado que somos seres complexos e dotados de subjetividade.
Outro
aspecto relevante é que esses recursos, além de economizarem tempo e objetivarem
a busca pelo(a) parceiro(a), também contribuem para reduzir a probabilidade
de ser rejeitado por um (a) pretendente. Pessoas que possuem baixa autoestima
ou pouca tolerância à frustração podem beneficiar-se desse recurso num primeiro
momento. Porém vale ressaltar que a frustração faz parte da vida e aprender a
lidar com ela é sinal de amadurecimento e, consequentemente, uma característica
das relações saudáveis.
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