domingo, 8 de fevereiro de 2015

Comportamento, tecnologia e relacionamentos



Entrevista concedida à jornalista Juliana Vines, da Folha de São Paulo.

Juliana Vines: Uma análise feita pelo site de relacionamentos OKCupid diz que quando estão on-line os usuários costumam ser mais rigorosos com beleza, mas quando vão a encontros a cegas a beleza passa a ser um fator menos importante. As pessoas se comportam de maneira diferente na internet? São mais exigentes? 

MV: Estereótipos de beleza e comportamentos valorizados na atual sociedade de consumo muitas vezes determinam as características desejadas em um(a) potencial pretendente. Quando se trata de selecionar um perfil de alguém que não conhecemos pessoalmente, elementos da comunicação presentes tanto na linguagem corporal quanto na linguagem falada, que são de fundamental importância, não estão presentes. Conta-se apenas com informações providas pela linguagem escrita e pela foto, além dos algoritmos que combinam desses dados.

No universo presencial, captamos as informações do mundo através dos nossos órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar). Nas interações on-line, a ausência desses elementos é compensada por recursos como os emoticons para expressar nossos sentimentos com maior fidedignidade e evitar possíveis mal-entendidos causados justamente pela falta de elementos sutis da comunicação, como tom de voz e expressões faciais/corporais. Por isso, em encontros presenciais as pessoas tendem a valorizar menos a aparência física, já que contam também com outros recursos que irão indicar se aquela pessoa é ou não atraente.

JV: Outro resultado interessante é o fator raça. No OKCupid a maioria das pessoas diz não se importar com raça, mas os dados mostram que a maioria continua se relacionando entre a mesma raça. E a maioria dos homens só entra em contato com mulheres com menos de 30 anos, mesmo os mais velhos. Será que somos seletivos demais na internet?

MV: Nesse caso penso que seria mais adequando falar sobre etnia ao invés de raça, pois raça refere-se apenas às características físicas. Quando falamos sobre etnia, atém das características físicas estamos nos referindo também às características da cultura, da nacionalidade, da religião, do idioma, das tradições de um indivíduo. Etnia é um conceito mais amplo e descreve uma pessoa com maior fidedignidade. Esse conjunto de fatores reflete nossa visão de mundo, nossos, valores, nossas crenças e são esses elementos que influenciam na hora de analisar se temos ou não afinidade com outra pessoa.

No caso de homens que preferem mulheres com menos de 30 anos – Sociedades tradicionais construídas com base em valores patriarcais, tendem a aprovar a união de um homem mais velho com uma mulher mais jovem; porém o contrário não costuma ser socialmente aceito. A justificativa até então dada era a de que as mulheres em idade fértil são consideradas mais atraentes, pois o ser humano, assim como outras espécies, possui um instinto natural de continuidade da espécie e disseminação dos genes. Porém as conquistas dos movimentos feministas, bem como de diversos outros movimentos que reivindicam mudanças de valores e paradigmas em nossa sociedade vêm mudando esse cenário. Ainda há resistência e preconceito, porém felizmente vejo que a sociedade como um todo está caminhando para uma maior aceitação da diversidade e valorização da felicidade em detrimento dos valores morais da sociedade tradicional.

JV: Podemos dizer que as regras da conquista on-line são diferentes das regras "no mundo real"?

MV: As regras da conquista on-line são diferentes das regras da conquista no mundo presencial porque na primeira há perda de elementos da comunicação não-verbal que são fundamentais para a conquista. Tanto homens quanto mulheres são dotados de recursos naturais que indicam ao parceiro quando estão interessados: tom de voz mais grave e aveludado, jeito de olhar, de tocar o próprio corpo e o corpo do pretendente, postura mais elevada, diminuição da distância corporal, etc. Porém nem todos conseguem “ler” esses sinais. Além disso, há quem os interprete equivocadamente, gerando uma situação constrangedora para ambos, já que a sutileza geralmente faz parte esses rituais de conquista.

Por outro lado, a conquista on-line é mais objetiva, elimina etapas e resguarda o sujeito da rejeição e de possíveis decepções. Atualmente cada vez mais relacionamentos começam pela internet e evoluem para o presencial. Acho que ambas as modalidades (tanto a conquista presencial quanto a conquista através de aplicativos e recursos tecnológicos) são válidas, já que o ser humano gosta de viver em sociedade, gosta de se relacionar. Todo mundo merece ser feliz com seu parceiro(a).

JV: Somos influenciados pelas regras e algoritmos desses sites. Até que ponto isso é bom? Isso ajuda ou atrapalha?

MV: Vivemos em uma sociedade onde o tempo parece cada vez mais escasso e por isso tornou-se uma espécie de moeda de troca. O fenômeno da internet provocou profundas mudanças nos setores econômico, político, social, cultural e comportamental das sociedades. No caso do site de relacionamentos OKCupid, o fato de utilizar algoritmos para aproximar casais em potencial nada mais é do que uma economia de tempo. Imagine quanto tempo e energia seriam despendidos em uma (ou várias) conversas presenciais para poder analisar o estilo de vida como os gostos, preferências, hobbies, visão política, religiosa e projetos futuros de um pretendente?

Não sei se isso é bom ou ruim, pois cada pessoa vivencia essas experiências de encontro de uma forma subjetiva. Uns gostam de descobrir o(a) parceiro(a) aos poucos, como se cada achado fosse uma surpresa; porém outros são mais objetivos e preferem não perder tempo. Fato é que os algoritmos eliminam etapas da paquera e otimizam os encontros de acordo com as expectativas dos usuários. Nesse sentido, eles influenciam sim.

Porém eles também podem errar, pois muitos casais se atraem justamente por causa das diferenças. Um encontra no outro qualidades e/ou características que não identificam em si mas que o complementam. Pense no quão chatas seriam as relações se não houvesse diversidade, diferenças de visões e opiniões? As diferenças também contribuem para o estreitamento de laços e para o aprendizado nas relações. Quando se trata de ser humano, a estatística nem sempre funciona, dado que somos seres complexos e dotados de subjetividade.

Outro aspecto relevante é que esses recursos, além de economizarem tempo e objetivarem a busca pelo(a) parceiro(a), também contribuem para reduzir a probabilidade de ser rejeitado por um (a) pretendente. Pessoas que possuem baixa autoestima ou pouca tolerância à frustração podem beneficiar-se desse recurso num primeiro momento. Porém vale ressaltar que a frustração faz parte da vida e aprender a lidar com ela é sinal de amadurecimento e, consequentemente, uma característica das relações saudáveis.

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