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Desde
os primórdios a utilização das tecnologias promove mudanças na constituição do
Homem, influenciando seu comportamento, sua cultura, suas relações sociais e
sua subjetividade. Esse texto possui o objetivo de fazer algumas reflexões
sobre a forma como as inovações tecnológicas atuam no cotidiano do ser humano,
alterando o modo de estar-no-mundo do Homem pós-moderno.
Inicialmente
buscamos na Antropologia uma base para melhor analisarmos a relação entre o Homem
e as tecnologias. Segundo Cosentino (2006), as tecnologias atuais consistem em
uma sucessão de desdobramentos das ferramentas fabricadas pelos nossos
ancestrais coletores e caçadores. A capacidade de produzir e utilizar
ferramentas não é exclusividade do Homo
Sapiens, pois outras espécies como primatas, demais mamíferos e até
algumas aves também possuem essa habilidade. O uso dessas ferramentas propiciou
uma modificação na dieta - anteriormente herbívora - e fez com que aumentasse
as fontes de energia que resultou na maior expansão e evolução do cérebro. As
primeiras ferramentas fabricadas pelo Homem estavam basicamente relacionadas à
alimentação e serviam para cortar a carne e desossar carcaças. Como podemos
observar, a criação e o uso das ferramentas supostamente alteraram e
intensificaram o conhecimento, bem como as trocas sociais, visto que o Homem é
uma espécie que se organiza em sociedade. Essa forma de organização, segundo
Foley (1996), também está relacionada à evolução cerebral da espécie humana.
A
evolução biológica, as formas de organização social, a fabricação de
ferramentas, a evolução cultural e a transmissão de conhecimentos são fenômenos
interconectados, onde um aspecto influencia e é influenciado pelo o outro de
maneira sistêmica. Deste modo, podemos afirmar que as inovações tecnológicas de
um modo geral produziram um “novo Homem”, já que estas foram (e são) capazes de
transformar tanto o ambiente quanto o comportamento ao longo do processo
evolutivo de nossa espécie.
O
uso do computador e da Internet influenciou
significativamente as relações humanas, sobretudo no que se refere à
comunicação. No entanto, nenhuma outra forma de comunicação pode ser considerada
mais natural do que aquela que acontece “cara a cara”. Por isso, Knock (2001)
comenta que as demais formas de comunicação, incluindo aquelas que são mediadas
pelo computador, demandam um esforço cognitivo muito maior do que aquele que
seria requerido naturalmente na comunicação “cara a cara”. Por outro lado, o
autor ainda afirma que o conhecimento que adquirimos por intermédio de nossas
relações com o meio também influencia a percepção de naturalidade da mídia e
faz com que o Homem aprenda diferentes formas de comunicação apesar da
estranheza que inicialmente possa sentir. Isso mostra que o Homem é capaz de se
adaptar biologicamente às transformações promovidas pelo rápido desenvolvimento
das tecnologias. Portanto, as tecnologias influenciam o Homem assim como o
Homem também influencia o desenvolvimento das tecnologias.
Como
as tecnologias marcam a cultura e nos influenciam de forma inevitável, a
humanidade não poderá e nem desejará se desvencilhar dos equipamentos, sistemas
e processos (Marcondes Filho, 2001). Esses equipamentos já fazem parte de nosso
cotidiano e perpassam nossas relações tanto no espaço presencial quanto no
virtual. Com isso, faz-se necessário abordar conceitualmente a diferença entre
Virtual, Real e Presencial.
Com
base na definição de Lévy (1999), o virtual é uma dimensão da realidade. Nas
palavras do autor:
“Em
geral acredita-se que uma coisa deva ser real ou virtual, que ela não pode,
portanto, possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Contudo, a rigor, em
filosofia o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual: virtualidade e
atualidade são apenas dois modos diferentes da realidade”. (p.47).
Em
consonância com o pensamento do autor, entendemos o virtual como uma
possibilidade do real. Quando um paciente com diagnóstico de esquizofrenia tem
uma alucinação, por exemplo, essa percepção faz parte de sua própria realidade,
embora esta não possa ser percebida por outra pessoa. É uma experiência que faz
parte da realidade dele e é tão válida quanto qualquer outra realidade apesar
de não ser percebida por todos.
O
Real, por sua vez, representa o todo da realidade, ou seja, engloba os aspectos
virtuais e não-virtuais. A vida real de uma pessoa envolve tanto sua vida
virtual quanto sua vida presencial.
O
conceito de Presencial se refere aos encontros que acontecem no espaço físico,
bem como os acontecimentos, relacionamentos e comportamentos que não são
mediados pelo computador, como as interações “cara a cara”, por exemplo.
A
questão da interseção entre o mundo Virtual e o mundo Real pode ser melhor
compreendida à luz da origem e desenvolvimento do ego proposta por Winnicott
(1975). Em linhas gerais, a experiência de ser amamentado por diversas vezes
faz com que o bebê perceba a existência de ciclos rítmicos de bem-estar /
mal-estar. Logo, ele percebe que ao chorar, ele é amamentado e tem sua
necessidade de alimentação satisfeita. Com isso, o bebê passa a antecipar o que
acontecerá quando ele chorar e aprende a esperar quando a mãe passa a frustrar
suas expectativas de ser alimentado imediatamente. Nesse intervalo entre o
desejo de ser alimentado e o tempo esperado até ter seu desejo satisfeito,
abre-se um espaço mental de fantasia. Esse espaço de representação é um espaço
potencial, onde os objetos externos (seio da mãe) passam a adquirir uma
representação interna. O ego do bebê é interno e externo ao mesmo tempo,
ou seja, ainda não há uma diferenciação entre o “eu” e o “não eu”. Mais tarde,
através da brincadeira, a criança passa a experimentar papéis, sentimentos e
possibilidades. O brincar passa a ser um lugar transicional onde a criança
ensaia sua existência e descobre no espaço potencial (que não é nem externo e
nem interno), as regras do mundo externo e do interno. Safra (2006) sugere que
esse espaço potencial gerado pela criança no ato da brincadeira, seria o que se
entende por espaço virtual, pois à frente do computador, o internauta
encontra-se sozinho e ao mesmo tempo em relação com o outro distanciado. Esse
espaço transicional, onde o outro encontra-se suficientemente distanciado,
permite que o eu do internauta se expresse de maneira mais livre e ao mesmo
tempo mais protegida do que se essa relação acontecesse de forma presencial.
Por
fim, concluímos que as inter-relações humanas perpassam o mundo virtual e o
presencial, uma vez que ambos se interconectam e se influenciam mutuamente. As
inovações tecnológicas deixam marcas nas culturas e influenciam novas formas de
pensar, agir e de estar-no-mundo. A ampla difusão das tecnologias e o impacto
causado por elas na subjetividade demanda dos psicólogos novos estudos sobre os
fenômenos psicológicos resultantes das influências destas na vida e no
comportamento humano como um todo. Cabe a nós, profissionais da saúde mental,
refletirmos e pesquisarmos sobre as possibilidades e os limites das novas tecnologias
nas nossas práticas a fim de utilizá-las da melhor maneira possível, já
que estas são uma realidade já instalada no universo de todos nós.
Referências Bibliográficas:
COSENTINO,
L. Aspectos evolutivos da interação homem-máquina: tecnologia, computador e
evolução humana. In: Psicologia e
Informática: produções do III Psicoinfo e II Jornada NPPI. 1ª ed.
São Paulo: Conselho Regional de Psicologia, p. 61-71, 2006.
FARAH,
R. Ciberespaço e seus navegantes:
novas vias de expressão para antigos conflitos humanos. 2009.
Dissertação (mestrado em Psicologia Clínica) - Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2009.
FARAH,
R. ; FORTIM, I. (Orgs.) Relacionamentos
na era digital. São Paulo: Giz Editorial, 2007.
MARCONDES
FILHO, C. Haverá vida após a Internet? Famecos,
Porto Alegre, n. 16, p. 35-34, dez. 2001.
Saiba mais sobre a autora:
Mônica Vidal é mestre em Psicologia pela UFRJ, Orientadora Profissional associada à ABOP (Associação Brasileira de Orientação Profissional) e Especialista em Terapia Sistêmica de Família e Casal pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Contato: monicavidalpsi@gmail.com
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