sábado, 7 de junho de 2014

Selfie: o limite entre o bom uso e o abuso da própria imagem




Leia, na íntegra, a entrevista concedida à jornalista Eliana Fonseca, para a Revista Viver Brasil.

Viver Brasil - Atualmente, há selfies em enterros, pós-sexo, e pessoas que postam dezenas de fotos por dia de si mesmas, o que as selfies dizem sobre o nosso comportamento?

Mônica Vidal - As tecnologias pessoais, sobretudo os smartphones, revolucionaram a forma com que as pessoas se expressam no cotidiano na atualidade, e a selfie faz parte dessa mudança. Alguns indivíduos se excedem no grau de exibição, como no caso da selfie pós-sexo, que vem se popularizando cada vez mais principalmente entre adultos jovens e adolescentes. Os jovens dominam o conhecimento e uso das novas tecnologias porém ainda não possuem maturidade suficiente para compreenderem a dimensão dos danos, tanto para si próprios quando para o outro, que o mau uso dessas ferramentas pode acarretar. As consequências negativas vão desde o estímulo à pornografia infanto-juvenil, uma vez que essas fotos podem facilmente cair nas mãos de qualquer um, passando por casos de crises familiares e até suicídio, quando um jovem, por exemplo, descobre que uma foto íntima foi parar na rede, virando piada ou meme[1]

No caso de selfies em enterros, a morte provoca e sempre provocou curiosidade no ser humano porque sabemos que um dia todos nós iremos morrer. A morte provoca atração e repúdio ao mesmo tempo, e observar o outro morto causa um alento ilusório de que aquilo está fora de nós – daí as postagens de selfies em enterros. No século XIX era muito comum a prática das fotos post-mortem, onde os fotógrafos posicionavam armações de madeira por baixo do corpo e das roupas da pessoa falecida de modo a parecer que elas ainda estavam vivas. Muitas famílias guardavam essas fotos como uma recordação do ente querido da maneira como ele era visto quando ainda estava vivo. Hoje essas fotos post-mortem do século XIX nos parecem mórbidas, causam estranheza e até aversão. Após a popularização da internet e das redes sociais, a repercussão da morte de alguém tornou-se mais abrangente, pois o amigo do amigo da pessoa que postou a foto vê, comenta e às vezes até compartilha. A curiosidade humana sobre a morte e o que acontece com o corpo quando ele morre, permeia a mente e a fantasia das pessoas. Por isso tem gente que usa a piada (humor negro) como recurso interno para poder amenizar e suportar a proximidade e a consciência da própria finitude. Uma selfie dessa natureza causa desconforto em quem vê a postagem e pode ser interpretada de diversas maneiras, inclusive como falta de respeito e mau gosto. Por outro lado, pode ser uma forma de o sujeito lidar e expressar o desconforto causado pela proximidade da morte e a ciência de que um dia chegará a vez dele. É como se aquilo não lhe dissesse respeito e, apesar da proximidade, ainda está bem longe de acontecer com ele próprio.


VB -  O narcisismo é uma marca das redes sociais, mas as selfies nem sempre exaltam o melhor que há no internauta. Está valendo tudo por um like ou por alguns segundos de exibição?

MV - Mostrando seu autêntico eu o internauta poderia atrair e estreitar laços sociais de forma mais natural e genuína. Uma pessoa madura geralmente posta selfies mais espontâneas ao invés daquelas estrategicamente elaboradas e editadas. Pessoas mais inseguras tendem a postar selfies mais sexualizadas e exibicionistas com o intuito de receber o maior número de curtidas e com isso, obtêm uma falsa percepção de que são amadas. Quanto maior o número de comentários e curtidas, maior a ilusão, o que reforça o comportamento narcisista de maneira cíclica. Isso ocorre em maior incidência entre adolescentes, que por ainda estar em fase de construção de suas identidades tendem a ser mais inseguros e dependentes da aprovação do outro. Por isso eles constroem um personagem através dessas selfies milimetricamente arquitetadas (personagem esse vulnerável a críticas e rejeição). Daí a relação entre narcisismo e baixa autoestima. Além disso pessoas que postam muitas selfies por dia fazem com que os outros se cansem de sua imagem, causando o efeito oposto ao desejado por quem postou a selfie: afastando e irritando os amigos, que podem vir a tornar-se ex-amigos. 


VB - Especialistas advertem que um internauta pode ficar viciado em selfies e, há pouco tempo, uma pessoa tentou suicídio porque não conseguia tirar a selfie perfeita. Por que a tecnologia e suas inter-relações podem ser tão viciantes e ao mesmo tempo fazer mal a algumas pessoas?

MV - A selfie é um comportamento que denota a forma do ser humano se relacionar com as novas tecnologias, bem como com o mundo e as pessoas ao redor. No que se refere ao modo de lidar com a fronteira entre o presencial e o virtual, há casos que fogem ao padrão em que o sujeito substitui a vida presencial – considerada por ele medíocre, frustrante e insatisfatória – por uma vida virtual onde ele pode construir uma identidade bem mais interessante como um mecanismo de fuga da infelicidade. Desse modo o sujeito passa a negligenciar sua vida presencial e deveres do cotidiano, como escola, trabalho, família, amigos, namorada, chegando até mesmo a descuidar de sua higiene pessoal. Essas pessoas ficam presas em um mundo de fantasia onde elas possuem o controle de tudo e não sofrem com os desafios impostos pela realidade presencial. Essas pessoas geralmente possuem uma predisposição a desenvolver um vício e o contato com a tecnologia “dispara esse gatilho” que, em outros casos, poderia ser disparado pelo álcool, jogo, drogas, sexo, etc. Portanto, quando o uso dos dispositivos móveis começarem a interferir na vida, atrapalhando ou impedindo de realizar tarefas do dia a dia além de prejudicar o trabalho, lazer e relacionamentos off-line, fique atento, pois é um sinal de alerta. Procure a ajuda de um profissional de saúde mental o quanto antes. 


VB - A popularização e abuso das selfies pode ser uma fuga do internauta em relação à sua vida fora das redes sociais?

MV - A popularização não, mas o abuso sim. Quem geralmente perde o controle desse recurso tecnológico tende a se sentir sozinho, possuir dificuldade de relacionar-se presencialmente com as pessoas, ser muito tímido ou, por outro lado, ser exibicionista e dependente da aceitação do outro. Há alguns transtornos que podem estar associados ao comportamento descontrolado da produção de selfies como depressão, fobia social, transtorno afetivo bipolar e transtorno dismórfico corporal. Este último caracteriza-se pela preocupação excessiva com a aparência física que leva a prejuízos concretos na vida do sujeito, como isolamento social, anorexia, bulimia, automutilação e até suicídio. A prevalência desses distúrbios se dá na população jovem (justamente a população que gosta e faz uso em larga escala das novas tecnologias), pois são pessoas que vivem grandes mudanças corporais em curto espaço de tempo, são inundadas de hormônios e passam rapidamente por cobranças tanto internas quanto sociais antes inexistentes na vida infantil, como arranjar um namorado (a), escolher uma profissão, entrar para a faculdade, conquistar um espaço no mercado de trabalho, etc. 


VB -  Pode estar relacionada à baixo autoestima? Por que?

MV - Pode sim, porque pessoas que possuem baixa autoestima supervalorizam o olhar do outro, ou seja, a aprovação do outro tende a ser muito importante para ela. A vida digital possibilita a criação de um perfil (ou vários perfis) que nem sempre condizem com a realidade do sujeito. Por isso as pessoas tentam passar uma imagem idealizada, editada, um retrato da vida que elas gostariam de ter para que sejam aceitas, admiradas, invejadas, e a internet é um campo propício e fértil para isso.


VB - Por que em nossa sociedade esse tipo de manifestação é tão estimulado?

MV - Como tudo o que é novidade causa um certo fascínio, penso que as pessoas ainda estão aprendendo a lidar com essas tecnologias e como parte do processo, cometem excessos até entenderem as repercussões e consequências dessa superexposição da privacidade. Vale a pena lembrar que a tecnologia (nesse caso, o smartphone) é apenas uma ferramenta. Quem determina o bom ou mau uso que se faz dessa ferramenta é o ser humano. O comportamento de superexposição pode surtir efeitos que comprometem a imagem pessoal e profissional do sujeito, além de prejudicar seus relacionamentos sociais e laços afetivos.

[1] Ideia propagada através da rede que pode assumir a forma de hiperlink, vídeo, imagem, website, hashtag ou mesmo apenas uma palavra ou frase. Um meme pode se espalhar de pessoa para pessoa através das redes sociais, blogs, e-mail direto, fontes de notícias e outros serviços baseados na rede tornando-se geralmente viral. 
Fonte: Wikipedia Brasil.

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