sexta-feira, 11 de março de 2016

A separação conjugal e os filhos: é possível aliviar a dor?

Foto: American Association for Marriage & Family Therapy

Atualmente as mídias têm noticiado cada vez mais casos de violências em separações conjugais litigiosas. Muitos ex-cônjuges, movidos pela mágoa, raiva e ressentimento, afastam e até mesmo instigam os filhos contra o ex-parceiro (a) em nome de uma pseudo – lealdade. Esse texto visa propor algumas sugestões práticas para que os próprios pais auxiliem os filhos a minimizar os efeitos negativos que a uma separação conjugal pode causar.

A separação conjugal em geral decorre de um processo de meses e até anos de insatisfação e desencontros. Muitas vezes o casal nem se dá conta de que de fato já está separado há anos, mas ainda vive junto por questões de acomodação e medo do novo, do incerto, da solidão, questões financeiras, dentre outras coisas. Não raro também justificam a manutenção do casamento em favor dos filhos.

Tomar a decisão de se separar em geral não é nada fácil. O fim de um casamento implica em frustração, pois é quando caem por terra todas as expectativas e sonhos de toda uma vida em comum. Nesse mar de decepção é bastante comum aflorarem sentimentos de raiva, rancor, culpa, pois não é fácil assumir as próprias falhas, além de ser mais cômodo responsabilizar o outro pelo fracasso de seu projeto de vida em comum. Esse ambiente torna-se propício ao surgimento de violências psicológicas e até mesmo físicas, que machucam e causam cicatrizes que jamais se apagam da memória do sujeito, principalmente quando envolve os filhos.

Para buscar diminuir os efeitos negativos que uma separação pode causar nos filhos, sejam eles crianças ou adolescentes, propomos algumas sugestões para que os próprios pais auxiliem seus filhos a passarem por essa etapa da vida de maneira menos traumática e dolorosa possível.

Evite discutir na frente dos filhos. Por mais difícil que seja, procure controlar-se, pois mesmo os bebês são capazes de captar o tom de voz alto e o clima de tensão. Somos humanos e o autocontrole nem sempre é uma coisa fácil, mas seus filhos valem esse esforço. Afaste-se quando estiver irritado ou marque uma conversa num local público, como um restaurante. Isso fará com que a pessoa controle um pouco mais seu tom de voz e suas reações.

Apenas conte a seus filhos sobre a separação quando esta for uma decisão final. Ambos os pais devem falar com seus filhos sobre esse assunto, mas planeje antes como, quando e onde irão conversar, respeitando a capacidade de entendimento do filho de acordo com sua faixa etária.

É importante que haja coerência entre o que se diz e o que se faz. Isso evita que as crianças fiquem confusas ou que utilizem “artimanhas” para burlar as regras. Essa medida reduz os efeitos negativos que uma má comunicação pode causar.

É fundamental que os filhos não fiquem sabendo da separação dos pais através de terceiros. Deve-se deixar muito claro para as outras pessoas que convivem com as crianças que elas não devem tocar nesse assunto antes dos pais.

Os pais devem colocar-se disponíveis para responder às perguntas dos filhos. Porém deve-se ter bom-senso e poupá-los de detalhes privados, constrangedores e desnecessários. O ex-casal deve respeitar a si e, sobretudo, aos filhos.

Deve-se permitir que os filhos extravasem seus sentimentos. Cada um tem uma forma pessoal de fazer isso. Por mais doloroso que seja, permita que os filhos chorem e que deem vazão à frustração. A prática de esportes, brincadeiras e artes (música, desenho, pintura, massinha) podem ajudar bastante.

Estabelecer uma parceria com a escola é muito importante. Uma reunião com o coordenador educacional ou psicólogo da escola para informar sobre a separação é fundamental para sensibilizar sobre o momento da criança/adolescente e contar com a compreensão e colaboração da escola em prol de seu bem-estar.

Mostre a seu filho que mesmo separado de seu parceiro (a), você sempre estará presente e nunca deixará de amá-lo. Seja acolhedor e esteja sempre de braços abertos, pois ele irá precisar muito de você nesse período de transição.

Não hesite em buscar um tratamento psicológico caso sinta que não está conseguindo suportar as dificuldades da separação. Em primeiro lugar é preciso estar equilibrado e sob controle para poder lidar com a dor dos filhos. Reconhecer os próprios limites e buscar ajuda é um ato de sabedoria.

Concluindo, quando uma separação acontece, todo o sistema familiar é afetado pelas mudanças decorrentes desse processo, principalmente as crianças e os adolescentes. É fundamental conscientizar os pais de que eles têm a capacidade de tornar essa vivência menos traumática para seus filhos, pois é muito difícil para uma criança lidar com a sensação de ter perdido sua família. Apesar de não existir uma receita pronta para poupar os filhos do sofrimento, é possível minimizar a dor. Por isso, os pais devem mostrar a seus filhos que mesmo separados, eles serão seus pais para sempre e que jamais os abandonarão. A extensão do sofrimento dos filhos vai depender também da atitude dos pais, pois aqueles que forem capazes de dialogar com o ex-cônjuge de forma madura e dividir entre si as responsabilidades relacionadas aos filhos, terão maior probabilidade de minimizar o sofrimento destes, ajudando-os a perceber as mudanças relacionadas a essa nova etapa da vida de uma forma menos dolorosa.

Mônica Vidal  é Mestre em Psicologia pela UFRJ e Especialista em Terapia Sistêmica de Família e Casal pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

Referências Bibliográficas

FUKS, B. B. Alienação parental: a família em litígio. Polêmica, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 56 - 73, jan./mar. 2011. Disponível em: ˂http://www.polemica.uerj.br/ojs/index.php/polemica/rt/printerFriendly/85/168˃.
NASIO, J.D. Como agir com um adolescente difícil? Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
REYNOLDS, L.S. Ainda somos uma família. Rio de Janeiro: Sextante, 2013.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A influência das inovações tecnológicas sobre o comportamento humano


Foto: novoempreendedor.com
Desde os primórdios a utilização das tecnologias promove mudanças na constituição do Homem, influenciando seu comportamento, sua cultura, suas relações sociais e sua subjetividade. Esse texto possui o objetivo de fazer algumas reflexões sobre a forma como as inovações tecnológicas atuam no cotidiano do ser humano, alterando o modo de estar-no-mundo do Homem pós-moderno.
Inicialmente buscamos na Antropologia uma base para melhor analisarmos a relação entre o Homem e as tecnologias. Segundo Cosentino (2006), as tecnologias atuais consistem em uma sucessão de desdobramentos das ferramentas fabricadas pelos nossos ancestrais coletores e caçadores.  A capacidade de produzir e utilizar ferramentas não é exclusividade do Homo Sapiens, pois outras espécies como primatas, demais mamíferos e até algumas aves também possuem essa habilidade. O uso dessas ferramentas propiciou uma modificação na dieta - anteriormente herbívora - e fez com que aumentasse as fontes de energia que resultou na maior expansão e evolução do cérebro. As primeiras ferramentas fabricadas pelo Homem estavam basicamente relacionadas à alimentação e serviam para cortar a carne e desossar carcaças. Como podemos observar, a criação e o uso das ferramentas supostamente alteraram e intensificaram o conhecimento, bem como as trocas sociais, visto que o Homem é uma espécie que se organiza em sociedade. Essa forma de organização, segundo Foley (1996), também está relacionada à evolução cerebral da espécie humana.
A evolução biológica, as formas de organização social, a fabricação de ferramentas, a evolução cultural e a transmissão de conhecimentos são fenômenos interconectados, onde um aspecto influencia e é influenciado pelo o outro de maneira sistêmica. Deste modo, podemos afirmar que as inovações tecnológicas de um modo geral produziram um “novo Homem”, já que estas foram (e são) capazes de transformar tanto o ambiente quanto o comportamento ao longo do processo evolutivo de nossa espécie.
O uso do computador e da Internet influenciou significativamente as relações humanas, sobretudo no que se refere à comunicação. No entanto, nenhuma outra forma de comunicação pode ser considerada mais natural do que aquela que acontece “cara a cara”. Por isso, Knock (2001) comenta que as demais formas de comunicação, incluindo aquelas que são mediadas pelo computador, demandam um esforço cognitivo muito maior do que aquele que seria requerido naturalmente na comunicação “cara a cara”. Por outro lado, o autor ainda afirma que o conhecimento que adquirimos por intermédio de nossas relações com o meio também influencia a percepção de naturalidade da mídia e faz com que o Homem aprenda diferentes formas de comunicação apesar da estranheza que inicialmente possa sentir. Isso mostra que o Homem é capaz de se adaptar biologicamente às transformações promovidas pelo rápido desenvolvimento das tecnologias. Portanto, as tecnologias influenciam o Homem assim como o Homem também influencia o desenvolvimento das tecnologias.
Como as tecnologias marcam a cultura e nos influenciam de forma inevitável, a humanidade não poderá e nem desejará se desvencilhar dos equipamentos, sistemas e processos (Marcondes Filho, 2001). Esses equipamentos já fazem parte de nosso cotidiano e perpassam nossas relações tanto no espaço presencial quanto no virtual. Com isso, faz-se necessário abordar conceitualmente a diferença entre Virtual, Real e Presencial.
Com base na definição de Lévy (1999), o virtual é uma dimensão da realidade. Nas palavras do autor:
“Em geral acredita-se que uma coisa deva ser real ou virtual, que ela não pode, portanto, possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Contudo, a rigor, em filosofia o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois modos diferentes da realidade”. (p.47).
Em consonância com o pensamento do autor, entendemos o virtual como uma possibilidade do real. Quando um paciente com diagnóstico de esquizofrenia tem uma alucinação, por exemplo, essa percepção faz parte de sua própria realidade, embora esta não possa ser percebida por outra pessoa. É uma experiência que faz parte da realidade dele e é tão válida quanto qualquer outra realidade apesar de não ser percebida por todos.
O Real, por sua vez, representa o todo da realidade, ou seja, engloba os aspectos virtuais e não-virtuais. A vida real de uma pessoa envolve tanto sua vida virtual quanto sua vida presencial.
O conceito de Presencial se refere aos encontros que acontecem no espaço físico, bem como os acontecimentos, relacionamentos e comportamentos que não são mediados pelo computador, como as interações “cara a cara”, por exemplo.
A questão da interseção entre o mundo Virtual e o mundo Real pode ser melhor compreendida à luz da origem e desenvolvimento do ego proposta por Winnicott (1975). Em linhas gerais, a experiência de ser amamentado por diversas vezes faz com que o bebê perceba a existência de ciclos rítmicos de bem-estar / mal-estar. Logo, ele percebe que ao chorar, ele é amamentado e tem sua necessidade de alimentação satisfeita. Com isso, o bebê passa a antecipar o que acontecerá quando ele chorar e aprende a esperar quando a mãe passa a frustrar suas expectativas de ser alimentado imediatamente. Nesse intervalo entre o desejo de ser alimentado e o tempo esperado até ter seu desejo satisfeito, abre-se um espaço mental de fantasia. Esse espaço de representação é um espaço potencial, onde os objetos externos (seio da mãe) passam a adquirir uma representação interna.  O ego do bebê é interno e externo ao mesmo tempo, ou seja, ainda não há uma diferenciação entre o “eu” e o “não eu”. Mais tarde, através da brincadeira, a criança passa a experimentar papéis, sentimentos e possibilidades. O brincar passa a ser um lugar transicional onde a criança ensaia sua existência e descobre no espaço potencial (que não é nem externo e nem interno), as regras do mundo externo e do interno. Safra (2006) sugere que esse espaço potencial gerado pela criança no ato da brincadeira, seria o que se entende por espaço virtual, pois à frente do computador, o internauta encontra-se sozinho e ao mesmo tempo em relação com o outro distanciado. Esse espaço transicional, onde o outro encontra-se suficientemente distanciado, permite que o eu do internauta se expresse de maneira mais livre e ao mesmo tempo mais protegida do que se essa relação acontecesse de forma presencial.
Por fim, concluímos que as inter-relações humanas perpassam o mundo virtual e o presencial, uma vez que ambos se interconectam e se influenciam mutuamente. As inovações tecnológicas deixam marcas nas culturas e influenciam novas formas de pensar, agir e de estar-no-mundo. A ampla difusão das tecnologias e o impacto causado por elas na subjetividade demanda dos psicólogos novos estudos sobre os fenômenos psicológicos resultantes das influências destas na vida e no comportamento humano como um todo. Cabe a nós, profissionais da saúde mental, refletirmos e pesquisarmos sobre as possibilidades e os limites das novas tecnologias nas nossas práticas a fim de utilizá-las da melhor maneira possível, já que estas são uma realidade já instalada no universo de todos nós. 
Referências Bibliográficas: 
COSENTINO, L. Aspectos evolutivos da interação homem-máquina: tecnologia, computador e evolução humana. In: Psicologia e Informática: produções do III Psicoinfo e II Jornada NPPI. 1ª ed. São Paulo: Conselho Regional de Psicologia, p. 61-71, 2006.
FARAH, R. Ciberespaço e seus navegantes: novas vias de expressão para antigos conflitos humanos. 2009. Dissertação (mestrado em Psicologia Clínica) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009.
FARAH, R. ; FORTIM, I. (Orgs.) Relacionamentos na era digital. São Paulo: Giz Editorial, 2007.
MARCONDES FILHO, C. Haverá vida após a Internet? Famecos, Porto Alegre, n. 16, p. 35-34, dez. 2001.
Saiba mais sobre a autora: 
Mônica Vidal é mestre em Psicologia pela UFRJ, Orientadora Profissional associada à ABOP (Associação Brasileira de Orientação Profissional) e Especialista em Terapia Sistêmica de Família e Casal pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Contato: monicavidalpsi@gmail.com